CHSSA: a internacionalização necessária!*
Vivemos, hoje, tempos sombrios. A sociedade brasileira se vê, a cada dia, sobressaltada por variados golpes contra as instituições republicanas e contra as políticas públicas que visam garantir melhores condições de vida para nossa população e para o desenvolvimento nacional.
Nesse contexto, nós, pesquisadores das ciências humanas, sociais e sociais aplicadas, letras, linguística e artes, aqueles que estão mais diretamente envolvidos com os dramas, com as alegrias, com as tristezas, com os projetos, com o desânimo, com as descobertas do povo brasileiro, temos aguda consciência de nossas responsabilidades e de nosso papel.
Como cientistas e como cidadãos, temos buscado, individual e coletivamente, colaborar para o entendimento, em toda sua complexidade, do momento em que vivemos, não deixando, porém, de atuar para a superação das desigualdades e dificuldades que assolam o país.
No entanto, apesar de nossas reconhecidas especificidades, muitas das dificuldades que hoje enfrentamos se espraiam pelas várias partes do mundo, tornando maiores as desigualdades entre regiões, países e grupos sociais e cada vez mais conflituosa as relações no planeta. Entender esse fenômeno transnacionalmente e, ao mesmo tempo, estabelecer estratégias de largo alcance para enfrentá-lo é um grande desafio para os pesquisadores e para as pesquisadoras de nossa grande área.
Felizmente, não começamos do zero! Como todos sabemos, há uma longa e larga tradição transnacional das ciências humanas e sociais. Forjadas ou remodeladas no e para o entendimento do mundo moderno, as CHSSA, mobilizando fundamentos teóricos diversos e estratégias metodológicas variadas, têm buscado entender os impactos das transformações do mundo contemporâneo nas pessoas e nos grupos sociais, buscando captar, suas angústias, seus anseios, seus projetos e suas utopias.
Mas o entendimento do mundo contemporâneo e de seus impactos não é, nunca foi, possível apenas por abordagens que se deixam prender nas fronteiras nacionais. E essa é uma das fortunas críticas das CHSSA. O entendimento de quem somos é enriquecido e possibilitado pelo encontro com os outros. E esse outro é, em várias ocasiões, o estrangeiro.
No entanto, as diferenças, as desigualdades e, por que não, as violências que presidiram os encontros dos e com os estrangeiros que construíram o Brasil, não cessam de atuar também no âmbito das CHSSA, assim como nas demais áreas do conhecimento. Por isso, temos continuamente perguntado sobre as condições e possibilidade de realizarmos uma internacionalização que tenha como escopo político, cultural e científico uma cooperação pautada na maior horizontalidade e numa menor desigualdade com os nossos parceiros.
Nesse sentido, ao nos reunirmos para discutir as dimensões conceituais da internacionalização das CHSSA estamos, de um lado, dando continuidade a uma tradição que se impõe por dever de ofício e pelas condições mesmas de produção do conhecimento em nossa área, e, por outro, estamos nos dispondo a entender melhor, e coletivamente, os desafios interpostos pelas atuais condições de realização das pesquisa em nosso país, pelo regramento estabelecido pelo Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e de Pós Graduação, pela forma de funcionamento de nossas instituições de pesquisa, notadamente as universidades, e pela posição do Brasil no contexto da comunidade científica internacional.
Há alguma especificidade na internacionalização das CHSSA? Se sim, como dizer conceitualmente dessa especificidade? E como, no interior dessa especificidade, podemos estabelecer colaboração com as demais áreas do conhecimento?
Esperamos que as discussões desse Seminário redundem não apenas em aprofundamento das dimensões conceituais da internacionalização, como proposto, mas também se desdobrem em caminhos possíveis de elaboração e operacionalização de políticas de Estado. Para isso, é absolutamente fundamental a ação consertada dos agências públicas, notadamente o CNPq, a CAPES, as FAPs e, agora, da Coordenação de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas recém criada no MCTIC.
Estamos, colegas, mais uma vez aqui no Auditório do CNPq como estávamos há três anos. Naquela ocasião, discutíamos as possibilidades de elaboração de uma política de C&T voltada para nossa área. Lá como cá, defendíamos que é preciso superar as ações fragmentadas e episódicas e avançar em direção a políticas gerais e de longa duração.
Há dois anos sugerimos estratégias e ações para a constituição de uma política. Achávamos, e continuamos achando, que uma estratégia fundamental é a institucionalização do reconhecimento da importância das CHSSA na forma de uma Diretoria específica para nossa área aqui no CNPq, a casa da ciência brasileira. Afinal, constituímos quase 40% da comunidade científica nacional e qualquer projeto de desenvolvimento nacional passa, necessariamente, pela incorporação da pesquisa que realizamos e pela ação daqueles profissionais que formamos. Ignorar isso é, necessariamente, apostar no fracasso!
É bom que se diga que estar mais uma vez aqui no CNPq tem, para todos nós, duas dimensões simbólicas fundamentais. Por um lado, é a reafirmação de que somos parte da comunidade acadêmica e científica brasileira e, como tal, participamos ativamente, ontem assim como hoje, da constituição dessa que é a mais importante instituição de fomento à pesquisa no Brasil. A história da institucionalização das CHSSA se confunde com a história do CNPq. A nossa sorte está, pois, umbilicalmente ligada!
Em segundo lugar, não nos passa despercebido que o CNPq, como órgão que participa com grande centralidade da elaboração e da execução das políticas nacionais de C&T, acompanha a sorte das demais instituições republicanas brasileiras e sofre com o desmonte desse mesmo Estado Nacional. Estar aqui nesse momento é, portanto, reafirmar a importância do CNPq e reunir forças para a defesa de um dos maiores patrimônios científicos brasileiro.
Finalmente, peço licença a todos os presentes, especialmente aos funcionários do CNPq, para, em nome do Fórum de CHSSA, saudar a Angela Cunico e lhe agradecer por sua dedicação e contribuição às CHSSA brasileiras durante o longo período em que esteve à frente da Coordenação Geral do Programa de Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. O seu trabalho Ângela, foi de fundamental importância para o que somos hoje e certamente continuará a repercutir nos anos vindouros.
Sejam, pois, bem vindos ao nosso seminário e que tenhamos ótimas discussões!!
Obrigado!
*Texto escrito pelo prof. Luciano Mendes de Faria Filho e lido durante a abertura do Seminário “A internacionalização das CHSSA: dimensões conceituais”, realizado no CNPq nos dias 22 e 23 de junho de 2017.